Clínica Infantil Indianópolis

Pneumonia atípica primária | Um tributo aos vírus e cia

O termo foi criado em 1930 para representar um grupo de pneumonias de etiologia não bacteriana, subentende-se viral, com ressalvas ao Mycoplasma pneumoniae, um agente infeccioso importante de pneumonia, à partir da idade escolar, que os microbiologistas ainda não definiram entre ser um vírus ou uma bactéria ou uma forma intermediária, pelo menos tem o mesmo tamanho dos mixovírus (paramixovírus), que são os menores microrganismos vivos existentes, causadores do sarampo e da parotidite e a dúvida, sob o aspecto clínico, se assenta em alguns casos terem uma evolução espontânea e outros necessitarem da administração de macrolídeo (eritromicina, claritromicina ou azitromicina) e disso, também, a deferência de atípico, extensivo à Chlamydia trachomatis (psitacci e pneumoniae) e as Bordetella pertussis (coco-bacilo Gram-positivo) e parapertussis.

 

Frequentemente, as infecções de vias aéreas superiores (IVAS)- os resfriados e as gripes- que são mais frequentes no inverno, antecedem os quadros de infecção das vias aéreas inferiores (IVAI)- as laringotraqueobronquiolopatias- que acometem predominantemente os lactentes com sintomas variáveis de hiperatividade brônquica (tosse, chiado no peito e desconforto respiratório), que caracterizam as crises de bronquiolite e cujas recorrências integram os quadros da Síndrome do Lactente Sibilante (“bebê chiador”) e  da pneumonite intersticial.

 

Entre os vírus respiratórios inseridos em painel de pesquisa protocolar, há nítida prevalência do vírus sincicial respiratório (VSR)- tipos A/B (dos quatro existentes), associados com relativa frequência em coinfecções múltiplas envolvendo a influenza da gripe tipos A, AH1N1 e o B e/ou o adenovírus do resfriado comum, além de outros, até então menos propalados, porém, igualmente relevantes, não propriamente no que condiz ao potencial de virulência, mas em termos de incidência nas coparticipações com o bocavírus, com os enterovírus, metapneumovírus A/B, parainfluenza tipos 1, 2, 3 e 4, parecovírus, rhinovírus, inclusive com os 4 subtipos de coronavírus já existentes e suas novas cepas emergentes desde 2019, com a Sars-Cov-2 (Covid-19) e curioso que a pesquisa integra até o próprio Mycoplasma pneumoniae (prova que está mais para vírus do que para bactéria, mas ainda pairam ???).

 

O cortejo sintomático se faz apresentar através da tosse (sintoma mais frequente), com o chiado no peito (sibilância) que, embora nem sempre audível na ocasião do exame físico, assim como os demais ruídos adventícios, é o que caracteriza a síndrome do lactente sibilante (bebê chiador) e o desconforto respiratório, o qual reflete a gravidade, ás vezes, somente é sinalizado pelo oxímetro- pela oximetria de pulso- ao determinar uma saturação de oxigênio em ar ambiente inferior a 95%, enquanto a febre, curiosamente, está ausente em muitas das infecções virais, até mesmo nas coinfecções, inclusive nas causadas pelo Mycoplasma pneumoniae, pelas Chlamydias e Bordetellas.

 

Ressalvas sejam feitas a algumas das novas variantes do coronavírus e aos vírus responsáveis pela gripe (influenza A, B, C/ Coxsackie A/ echovírus (ECHO) e parainfluenza) que, em geral, se manifestam com febre alta, calafrios, queimação nos olhos, prostração (mal estar), anorexia, dores musculares, enfim, com intensificação dos sintomas sistêmicos (gerais) e sintomas respiratórios atenuados (tosse, espirros, secreção (coriza hialina ou mucosa) ou obstrução nasal), ao contrário das apresentações clínicas do resfriado comum causado pelo adenovírus.

 

Em suma, clinicamente, em muitos dos casos, a tosse é senão o único sintoma, então, o mais chamativo. No início seca, podendo se tornar produtiva.

A febre, quando presente, geralmente, não é elevada e o estado geral dos pacientes encontra-se preservado, simplesmente não parecem doentes, uma vez que a dispneia grave e a cianose são extremamente incomuns e a semiotécnica pulmonar é absolutamente normal, com um ausculta silenciosa ou apenas com alguns sibilos esparsos, podendo revelar, numa fase mais avançada, a presença de estertores creptantes ou subcreptantes de finas bolhas, nem sempre fáceis de discernir, mesmo considerando-se que os subcreptantes, ao contrário dos creptantes, modificam-se (desaparecem) com a tosse ou após a tapotagem.

 

No que concerne aos exames subsidiários, o leucograma nos processos de origem viral, comumente, revela uma leucocitose ou leucopenia com predomínio das células linfomonocitárias (linfomonocitose), portanto, às custas de uma neutropenia e uma proteína C reativa (PCR: sigla em inglês para designar reação em cadeia da polimerase) normal.

Entretanto, nos casos típicos de Coqueluche, infecção bacteriana, também ocorre uma leucocitose importante (20 a 50.000 leucócitos/ mm3) com linfocitose acima de 50% do total de leucócitos, um padrão que não deixa de ser condizente com as infecções virais, exceto pelo contingente leucocitário (pela hiperleucocitose) que, por lembrar as reações leucemóides, desperta mais atenção, da mesma forma que ocorre na mononucleose, infecção viral do grupo herpes, consequentemente, um padrão pertinente, porém, com o diferencial da linfomonocitose computar uma atipia linfocitária significativa de pelo menos 10% do total de leucócitos.

 

A leucocitose que na maioria dos processos de origem viral não atinge esses valores, causa estranheza inclusive por não haver distinção hematológica entre uma infecção bacteriana (Coqueluche/ Bordetella pertussis) e uma virose causada pelo vírus Epstein Barr da mononucleose, salvo pela eventual atipia linfocitária.

No entanto, com relação ao diagnóstico da coqueluche, a pesquisa de Bordetella pertussis e parapertussis (paracoqueluche) em material de secreção de orofaringe, é realizada pelos métodos da PCR em tempo real, que permite o diagnóstico até a terceira semana de iniciado os sintomas e a cultura em meio específico (Bordet-Gengou) permite o diagnóstico até a segunda semana. A PCR é mais sensível e a cultura, obviamente, mais específica.

 

Em caso de negatividade dos exames e persistência dos sintomas por mais de três semanas, a sorologia (PCR) pareada, com intervalo de duas semanas entre as coletas, poderá confirmar a suspeita.

 

Portanto, frente toda a logística que envolve, sobretudo, a possibilidade de negatividade do procedimento, é aconselhável na suspeita diagnóstica, em termos práticos, a introdução de um macrolídeo até como prova terapêutica.

 

Quanto a impressão dos marcadores inespecíficos de processos inflamatórios, tais como a proteína C reativa (PCR) e a pró-calcitonina (PCT) ou a velocidade de hemossedimentação (VHS), serem de importância na elucidação entre vírus e bactéria, ela nem sempre corresponde, pois existem infecções virais, como as causadas pelos rotavírus (um dos cinco tipos) e dos próprios vírus sinciciais respiratórios (quatro tipos), que cursam com valores elevados da PCR, assim como infecções comprovadamente de etiologia bacteriana com valores normais da proteína C reativa.

 

Consequentemente, esses marcadores, mais especificamente a PCR, embora possam ser utilizados como ferramentas auxiliares, são de valia limitada na diferenciação entre a etiologia viral e bacteriana. Na realidade, são úteis mais como um aditivo junto a análise de outros parâmetros evolutivos, lembrando que a clínica é soberana.

 

Assim, na maioria dos casos, o diagnóstico da PAP é eminentemente clínico, baseado no quadro clínico e nos achados do exame físico, uma vez que as imagens radiológicas assumem um padrão de comprometimento intersticial semelhante ao das bronquiolopatias, com a trama vasobrônquica (infiltrado) mais denso na região perihilar, difundindo-se progressivamente, em forma de leque, à medida que vai atingindo a periferia pulmonar (gradil costal), sem as imagens de opacidades ou de consolidações que tipificam as pneumonias bacterianas, sem desvios do mediastino e preservando o contorno da silhueta cardíaca, os ângulos cardiofrênicos e costofrênicos (frênico: que se refere ao músculo diafragma).

 

Um evento que, com as devidas ressalvas, tem sido referenciado como pneumonia oculta e guarda algumas particularidades de interesse à despeito de:

*Com relação à Chlamydia trachomatis: a suspeita diagnóstica deve ser lançada em lactentes, nos primeiros três meses de vida, com antecedentes de conjuntivite, nascidos de parto normal e cujas mães apresentaram leucorreia no último trimestre de gravidez.

*Já no que compete às Bordetellas, particularmente a da espécie parapertussis que ainda não dispõem de uma vacina, a suspeita deve ser aventada principalmente em lactentes nos primeiros 15 meses de vida, devido as quatro doses da vacina preventiva contra a coqueluche/ pertussis (tosse comprida) não terem sido administradas (o esquema primário envolve três doses aos 2, 4, 6 meses e uma dose de reforço com um ano e três meses de vida – a imunização completa envolve ainda uma segunda dose de reforço aos 4/5 anos.

**Ressalve-se, além disso, que as crianças mesmo que devidamente vacinadas há mais de 2 anos, podem adquirir a doença, se bem que de forma mais benigna, fugindo aos acessos típicos de tosse- tosse coqueluchóide- desencadeados no final da expiração e que dificultam as inspirações intermediárias, levando a crises de apneia (perda de folego), para depois sobrevir uma inspiração forçada, ruidosa (estridulosa), que constitui o clássico “guincho”, resultante de uma inspiração profunda com a glote semifechada.

 

Conforme já ressaltado, a coqueluche, salvo nas formas complicadas (graves), não fugindo, pois, às regras, é apirética e tem pequena repercussão sobre o estado geral dos pacientes e o exame físico do aparelho respiratório não corresponde ao caráter imperioso e renitente da tosse que é por excelência emetizante, obriga a emissão de catarro e reage imperiosamente aos estímulos tussígenos mecânicos (manobra com a leve compressão da traqueia na fúrcula esternal ou da compressão firme sobre a língua com a espátula).

 

Nos casos típicos de Coqueluche (na fase paroxística/ “após duas semanas”), valendo ser repetitivo, ocorre uma hiperleucocitose importante (20 a 50.000 leucócitos/ mm3), com pelo menos 50% de linfocitose, assim como na mononucleose que contabiliza uma atipia linfocitária diferencial e um aumento das transaminases, geralmente, precedendo as alterações hematológicas numa fase incipiente.

 

Uma infecção bacteriana (coqueluche) que cursa com um padrão leucocitário de infecção viral e cuja hiperleucocitose simula uma reação leucemóide sem precedentes, à não ser o da mononucleose (doença do beijo, transmitida pelo vírus de Epstein Barr) e salvo pela atipia linfocitária.

Nota-se ainda, misturando-se as estações, que a coqueluche está mais para os lactentes, enquanto a mononucleose está mais para os adolescentes.

* No entanto, na agudização da primeira até a segunda semana, de ambas infecções, pode não surgir qualquer alteração leucocitária, como também pode ocorrer padrões discrepantes aos esperados, como uma leucopenia ou leucocitose com neutrofilia e granulações tóxicas nos processos virais, como em se tratando da mononucleose e nos de origem bacteriana: uma leucocitose ou leucopenia com linfomonocitose e neutropenia, ou seja, um processo de origem viral com um leucograma sugestivo da etiologia bacteriana e vice-versa.

 

Curioso ainda que a bastonetose (o aumento dos bastonetes) que é referenciada como desvio à esquerda e denota um processo agudo, independentemente de a infecção ser de origem viral ou bacteriana, às vezes, não se faz pronunciar.

Pois é! Assim caminha a medicina.

 

Autor: Rubens Tadeu Bonomo.