Clínica Infantil Indianópolis

Corticosteroides e Adrenérgicos: Desmistificando mitos (PARTE 1)

Existem consultas que o profissional, muitas vezes, sente-se constrangido em receitar e o paciente ou seus responsáveis desconfortáveis. Há sempre questionamentos com relação a real necessidade e as consequências, as implicações do uso com a frequência com que certas medicações são administradas.

Sem dúvidas, na maioria desses casos, os antibióticos protagonizam a listagem dessas medicações, haja vista que com relativa frequência são prescritos em processos infecciosos de origem viral e não há como contestar esse fato, tampouco incriminar quem os prescreve, mesmo porque a própria literatura recomenda sua administração nos casos suspeitos de infecção bacteriana, a exemplo da amigdalite estreptocócica em vista das sequelas tardias não supurativas que podem advir como a nefrite e a febre reumática.

Considera-se ainda a flexibilidade posológica proposta frente às infecções leves, moderadas e severas, que não deixam de guardar uma subjetividade na avaliação e daí os riscos de subdosagens e das recorrências das infecções bacterianas.

Do lado principalmente dos pequenos pacientes, há de se computar a palatabilidade nada agradável dos medicamentos que corrobora para as transgressões, para com o não respeito das recomendações, particularmente com o tempo de administração do tratamento aquém do que se determina e os escapes, que contribuem para as recorrências dos processos infecciosos bacterianos e a necessidade do emprego frequente e preocupante de antimicrobianos.

Sabemos das dificuldades, principalmente devido a escolaridade, em administrar os medicamentos de 8 em 8 horas e, daí, as alternativas das cefalosporinas de segunda geração e dos clavulanatos BD, para serem empregados de 12 em 12 horas.

Meno male! Entretanto, em atenção ao comodismo posológico, temos observado uma indicação dos macrolideos, mais especificamente da claritromicina (de 12 em 12 horas) e até da azitromicina (de 24 em 24 horas), um tanto quanto abusiva, uma vez que essa classe de antimicrobianos está reservada para os pacientes alérgicos à penicilina semissintética com infecções estreptocócicas leves, mais especificamente com faringoamigdalites e para as infecções pouco frequentes causadas por bactérias atípicas (Bordetella pertussis e parapertussis, Chlamydias (trachomatis, psittaci e pneumoniae), Mycoplasma pneumomiae e Campylobacter.

Em suma, há um cenário que propicia as recorrências dos processos infecciosos e consequentemente o uso indiscriminado de antibióticos e o pior se dá quando, geralmente, em torno do terceiro ao sétimo dia da terapêutica instituída, surge um exantema (rush cutâneo) que, até prova em contrário, é indicativo da etiologia viral a exemplo da roséola infantum (exantema súbito) dos lactentes e da mononucleose nas crianças maiores, no entanto, a criança, com relativa frequência, é estigmatizada como alérgica ao antibiótico administrado, o que vem comprometer sobremaneira o manuseio clínico das infecções que por ventura possam vir a se instalar.

Interessante que assim como a relutância, os questionamentos no aceitar das prescrições em determinadas circunstâncias, fazem parte do dia a dia profissional, do outro lado da moeda, a recíproca também é verdadeira com relação a apreensão, ao desassossego ser até mais significativo quando o antibiótico não engrossa o receituário médico.

Casos em que, dependendo do perfil dos pacientes, as infecções virais frequentemente precedem as infecções bacterianas (as infecções virais abrem as portas para as bactérias) e os responsáveis chegam inclusive a insistir numa receita, para ter em mãos e até poder à posteriori adotar um tratamento preventivo.

Indubitavelmente tem-se que dar atenção à doença, mas é sine qua non o enfoque ao doente, uma vez que a eficácia dos tratamentos está condicionada aos estados de imunocompetência (epigenética) de cada qual e de imunocomprometimento de cada paciente.

O estado de imunocompetência justifica o fato de pessoas com a mesma doença, apresentarem respostas diferentes aos mesmos tratamentos. Caso inclusive de gêmeos univitelinos que têm uma constituição genética praticamente similar, todavia, hábitos alimentares e meios de vida diferentes, que são a essência da epigenética.

Já o estado de imunocomprometimento se assenta na doença imunodepressora de base e nos diagnósticos secundários de outras patologias (nas comorbidades) e suas respectivas terapias

imunossupressoras.

Pois é! No momento, aliás, já há algum bom tempo, os anti-inflamatórios hormonais (esteroidais) vêm senão destronando, então dividindo o protagonismo com os antibióticos, não exatamente no que concerne ao constrangimento profissional em receitá-los, mas na insegurança dos pacientes em aceitar a frequência de suas prescrições, sem pesar os riscos de efeitos colaterais, que sem dúvidas se sobrepõem aos dos antibióticos.

Receios, mesmo tendo plena convicção da necessidade de suas administrações, em desenvolver precocemente os caracteres sexuais masculinos: virilização (masculinização) no sexo feminino e a puberdade pseudo- precoce no sexo masculino, assim como engordar e ficar com o rosto inchado, vir a ter pressão alta, penugem, um crescimento deficiente, uma maior suscetibilidade às infecções e a fraturas espontâneas, ter problemas oculares, entre outros efeitos colaterais sistêmicos que, valendo der repetitivo, indubitavelmente se sobrepõem aos dos antibióticos, os quais praticamente se limitam a comprometer a estabilidade (desequilibrar) a flora bacteriana intestinal colônica (microbiota) e promover uma polêmica resistência antimicrobiana.

Quanto a referência de anti-inflamatórios, antialérgicos hormonais (esteroidais), os esteroides são uma designação genérica dos hormônios produzidos pela placenta, ovários, testículos e pelas adrenais, mais especificamente pela camada externa (pelo cortex) das suprarrenais.

Os esteroides sintetizados pelo cortex (camada externa) das adrenais, são denominados como corticosteroides ou corticoides.

Entre os corticosteroides, existem os produzidos com atividade predominantemente sobre a glicogênese, referenciados como glicocorticoides – nosso cortisol-retentor dos níveis de glicemia dentro da normalidade, uma função semelhante à das ilhotas pancreáticas de Langherans, outros sintetizados com atividade predominante sobre os minerais, designados, pois, como mineralocorticoides – nossa aldosterona -responsável pelo metabolismo do sódio e manter a volemia e os níveis pressóricos dentro da normalidade e os esteroides andrógenos, com propriedade em desenvolver os caracteres sexuais secundários masculinos- nossa

testosterona.

Esses hormônios são produzidos pelo cortex das adrenais sob estímulo hipotalâmico sobre a adeno-hipófise, o que caracteriza o eixo HHA (hipotalamo-hipófise-adrenais).

A síntese desses hormônios pode estar comprometida por alterações estruturais relacionados com o hipotálamo- centro regulador das funções neurovegetativas, com a hipófise (lobo anterior) ou devido a problemas anatômicos primários, intrínsecos do córtex das adrenais, sem influência do eixo HHA (hipotálamo-hipófise-adrenais) ou do semi-eixo HA (hipófise (adeno)- adrenais).

Entretanto, os problemas hipotalâmicos, assim como as alterações hipofisária que poderiam causar uma deficiência na produção dos hormônios adrenocorticais, assim como uma hiperprodução e que caracterizariam respectivamente a Doença de Addison (hipocortisolismo, hipoaldosteronismo e hipotestosteronismo) e a Síndrome de Cushing (hipercortisolismo, hiperaldosteronismo e hipertestosteronismo), com suas respectivas manifestações clínicas são

extremamente raras.

Da mesma forma, são excepcionalmente raros os problemas primários das adrenais que poderiam causar uma deficiência (supressão ou insuficiência) ou até mesmo uma exacerbação na produção dos hormônios de sua secreção.

Aliás, além dos mecanismos fisiopatológicos de ação serem bem mais complexos do que os expostos na literatura, ainda existem contrastes fisiopatogênicos a descortinar e a raridade dos casos (a pouca prática) faz com que se conjecture muito sobre achismos e pouco se conclua sobre alguns porquês, que clamam por respostas mais consistentes.

Entre as raríssimas causas da hipofunção das adrenais, inclusive que pode se manifestar logo ao nascimento, destaca-se a hiperplasia congênita do cortex das adrenais com perda de sal caracterizada por hipocortisolismo, hipoaldosteronismo e, paradoxalmente, hipertestosteronismo que configura o contraste fisiopatológico a desvendar, assim como, nos casos sem perda de sal, a ocorrência de testosterona elevada e os níveis de cortisol e de aldosterona estarem normais

A suspeita clínica é aventada nos recém-nascidos com genitália ambigua, que apresentam desidratação hiponatrêmica rebelde à terapêutica de reidratação parenteral convencional, salvo pela administração de glicocorticoide exógeno.

Já entre as raríssimas causas de hiperfunção, que podem se manifestar em crianças com idade mais avançada, concentram-se as malignidades metastáticas, principalmente os carcinomas virilizantes que acometem principalmente o sexo feminino e o adenoma não virilizante que predomina no sexo masculino.

Ora! Se os problemas estruturais relacionados com o comprometimento do eixo HHA ou do semi-eixo HA e mesmo as alterações anatômicas primárias das adrenais são extremamente raras, o que pode, então, realmente causar um aumento do nível sérico, da concentração plasmática de glicocorticoide, são as administrações com doses que extrapolam as boas normas, doses excessivas de glicocorticoide exógeno (sintético), particularmente nos tratamentos continuados ou prolongados e, nesses casos, especialmente quando não se procede um desmame, uma descontinuidade gradativa adequada.

Esse feito pode ocorrer em determinadas patologias, felizmente, também raras, entre as quais, despontam as doenças reumáticas ou do tecido conjuntivo (colagenoses), que exigem tratamentos contínuos ou prolongados, inclusive com superdosagens de glicocorticoides exógenos (sintéticos) que ultrapassam as boas normas e até mesmo sob pulsoterapia em que se empregam doses de 20-30 mg/Kg de metilprednisolona diluído em soro glicosado para

correr em duas horas, por 3 dias consecutivos e, nesses casos, que se impõem controles pressóricos e da glicemia de 30 em 30 minutos, não se constatou nenhum efeito sistêmico agudo digno de nota nas crianças internadas em nosso serviço.

Convém lembrar que a dose habitual é de 1-2 mg/Kg/dia e o tratamento normalmente não se estende mais do que 5-7 dias.

Ora! Oral Se os problemas anatômicos relacionados com o comprometimento do eixo HHA ou do semi-eixo HA e até mesmo das próprias adrenais que podem condicionar uma produção diminuída ou exacerbada dos hormônios adrenocorticais são extremamente raros, estas doenças também não fogem muito às regras, pois então, no nosso dia a dia, o que pode exigir maiores cuidados, não no que concerne à síntese dos hormônios adrenocorticais, mas no que pode promover um aumento da concentração plasmática, do nível sérico de glicocorticoide, são as sobrecargas das administrações que podem se fazer necessárias nos tratamentos das doenças que cursam com sintomas de hiperreatividade brônquica (broncoestenose), cujos paradigmas são as bronquiolites de repetição que caracterizam a Síndrome do Lactente Sibilante (“Bebê, Chiador”) e a Asma nas crianças maiores.

O que desperta mais atenção não é exatamente o tratamento de resgate das agudizações (exacerbações) das crises, uma vez que a posologia frequentemente não excede as doses convencionais e os tratamentos não se prolongam além de 5-7 dias, eventualmente 7-10 dia, excecionalmente 10 até 15 dias nos processos obliterantes mais severos.

O que realmente pode exigir maiores cuidados é quando as crises se sucedem com intervalos curtos e frequentes e sem que se institua um tratamento preventivo com glicocorticoide inalatório ou em aerocaps, pois, nesses casos, mesmo os tratamentos tendo uma duração prolongada, frequentemente, acima de 12 meses, são ínfimos os riscos de ocorrer uma absorção sistêmica à nível de causar uma supressão adrenal ou uma insuficiência na produção dos hormônios de sua secreção e muito menos de proporcionar um aumento significativo da concentração plasmática de glicocorticoide, capaz, à ponto de precipitar algum efeito cushingóide e o mesmo se dá com as aplicações intranasais ou cutâneas dos glicocorticoides sintéticos.

Entretanto, não conjecturando sobre as obviedades, o ideal é que os tratamentos em geral fossem iniciados logo que surgissem os sintomas, com a menor dose efetiva e durante o mais curto prazo até se obter os benefícios clínicos e os tratamentos das manifestações inflamatórias e pruriginosas (alérgicas) da pele, embora, na grande maioria das dermatites atópicas, não costumem exigir aplicações que se prolongam mais que 7 dias, não devem transgredir as regras.

Deve-se aplicar a quantidade mínima (finas camadas) do glicocorticoide de menor potência do creme (caso de lesões úmidas) ou da pomada (lesões secas), normalmente, sem adicionais (antifúngico e/ou antibiótico) e pelo tempo até que se obtenha os benefícios clínicos, à fim de evitar que a absorção sistêmica, embora, conforme já enfatizado, seja uma ocorrência extremamente rara, possa causar uma supressão (uma cessação súbita) ou uma insuficiência (deficiência) na produção dos hormônios adrenocorticais ou promover uma sobrecarga à nível sérico capaz de precipitar algum efeito cushingóide.

Nas crianças, como o poder de absorção cutâneo é bem superior, a resolução das dermatites atópicas, geralmente, se faz evidente bem mais rapidamente, com uma menor quantidade do produto e do número de aplicações e obviamente desde que a causa seja identificada e afastada.

No entanto, impõem-se cuidados adicionais as aplicações em áreas mais sensíveis, como a do rosto, devido a maior suscetibilidade em surgir alterações atróficas de despigmentação (manchas hipocrômicas ou acrômicas), principalmente ao coçar e sobretudo quando expostas de imediato ao sol.

Os mesmos cuidados devem ser adotados com as aplicações na região de fraldas, as quais funcionam como curativo oclusivo a ser evitado, para evitar a instalação de infecções secundárias, geralmente, de origem fúngica, assim como nas dobras cutâneas que estão mais sujeitas ao calor, umidade (sudorese) e atrito e, consequentemente, também, tornam-se mais vulneráveis às infecções secundárias.

independentemente da idade, é prudente, assim que se obtiver a resolução da manifestação cutânea, que a terapia, não fugindo às regras, seja descontinuada gradualmente, pois a interrupção abrupta pode levar a reincidência da dermatite “pré-existente”, principalmente nos tratamentos que se utilizam as preparações mais potentes.

Com relação às interações medicamentosas, aplicações intranasais com até 24 vezes a dose diária recomendada para adultos de furoato de fluticasona, um corticosteroide com potente ação anti-inflamatória, foram estudadas durante três dias, sem que tivesse sido observado qualquer sintoma nessa fase aguda.

Outro estudo realizado com glicocorticoide inalatório (Propionato de fluticasona) em monoterapia, durante mais de 12 meses, inclusive quando foram administradas as mais altas doses recomendadas para crianças e adultos, não se constatou alterações nos níveis séricos de cortisol, o que deixa entrever que a produção de glicocorticoide endógeno se manteve dentro da normalidade.

Já nas associações contendo um broncodilatador inalatório beta-2 adrenérgico de longa duração (Xinafoato de salmeterol), nos pacientes que foi administrado o cetoconazol, que é um potente inibidor da enzima CYP3A4, do citocromo hepático P.450, constatou-se um aumento da concentração plasmática do salmeterol, com efeitos clinicamente significativos sobre o ritmo cardíaco, tais como: palpitações, taquicardia, prolongamento do intervalo QTC, mas não se observou nenhuma manifestação sistêmica que denotasse um aumento do nível sérico do glicocorticoide.

Portanto, mesmo em se comprovando que os corticosteroides não são nenhum tipo de bicho papão e com as devidas ressalvas às coadministrações envolvendo um adrenérgico e um inibidor do metabolismo hepático, os tratamentos com glicocorticoides sintéticos sistêmicos não dispensam cuidados especiais no diabetes, nos hipertensos, no hipotireoidismo, nas gastrites e nas enteropatias inflamatórias crônicas e nas administrações concomitantes com o cetoconazol, o ritonavir e com a claritromicina nos primeiros três meses de vida.

Deve-se dispensar a mesma atenção, nos tratamentos prolongados ou quando retomados com intervalos muito curtos e frequentes, com o surgimento de alterações visuais e nas crianças é de capital importância o monitoramento do desenvolvimento estatural.

Esse tema foi abordado, em reunião científica realizada no Hospital Edmundo Vasconcelos, em 25/10/2023, sob a responsabilidade da equipe de pediatria, com a participação de vários especialistas que expuseram suas experiências, sem a pretensão de esgotar o assunto, que exige uma abordagem multidisciplinar de extrema complexidade, particularmente no âmbito da endocrinologia e ainda se reveste de mecanismos fisiopatogênicos de ação em contraste a descortinar.

Tentaremos, com os artigos vindouros, expor de maneira mais abrangente e pragmática, como os hormônios adrenocorticais são produzidos (a fisiologia) e os fatores que podem causar um déficit ou uma superprodução na sua síntese (a fisiopatologia) ou uma sobrecarga dos níveis séricos dos glicocorticoides a ponto de precipitar algum efeito cushingoide ou uma supressão adrenocortical ou uma insuficiência na produção dos hormônios de sua secreção.