A Má Absorção: A Esteatorreia & Esteatose

Miscelânea—18/07 Navegando pela Bioquímica A performance metabólica dos açúcares (glicídios), proteínas (aminoácidos) e gorduras (lipídios) está ligada à esteatorreia e à esteatose. Sacarídeos, glicídios ou glícides são açúcares ou carboidratos (hidratos de carbono). Os simples são referenciados como monossacarídeos, a saber: glicose (açúcar comum – o mais conhecido), galactose e…

Miscelânea—18/07

Navegando pela Bioquímica

A performance metabólica dos açúcares (glicídios), proteínas (aminoácidos) e gorduras (lipídios) está ligada à esteatorreia e à esteatose.

  • Sacarídeos, glicídios ou glícides são açúcares ou carboidratos (hidratos de carbono). Os simples são referenciados como monossacarídeos, a saber: glicose (açúcar comum – o mais conhecido), galactose e frutose. Os monossacarídeos, quando associados aos pares, formam os dissacarídeos e são representados principalmente pela lactose, maltose e sacarose.

A lactose, açúcar do leite de mamíferos (“vaca”, búfala, ovelha e camela), exceto o de cabra, é o mais propalado devido à intolerância a que muitos pacientes estão sujeitos. A maltose corresponde ao açúcar dos cereais e a sacarose da cana-de-açúcar/beterraba. Os dissacarídeos, para serem absorvidos, é necessário que sejam hidrolisados (desagrupados) em monossacarídeos pelas respectivas enzimas dissacaridases, sintetizadas pelo intestino delgado.

Assim, a lactose sob ação da lactase é decomposta em uma molécula de glicose e outra de galactose. A maltose sob ação da maltase é desdobrada em duas moléculas de glicose e a sacarose sob ação da enzima sacarase, também denominada como sucrase, origina uma molécula de glicose e outra de frutose. A galactose, por sua vez, sob ação da enzima galactoquinase (galacto-1-fosfato-uridil-transferase: G1PUT) se transforma em glicose-1-fosfato, para, então, ser absorvida.

Na galactosemia, há uma deficiência da G1PUT que acarreta uma sobrecarga de galactose e uma hipoglicemia. A confirmação da suspeita diagnóstica, apesar do nome inferir a presença de galactose no sangue, é feita através da pesquisa de substâncias redutoras na urina (galactosúria) e da cromatografia da urina para identificar o açúcar. O mesmo ocorre com a deficiência de frutose-1-fosfato-aldolase em metabolizar a frutose além da etapa de frutose-1-fosfato, levando secundariamente à hipoglicemia na Intolerância Hereditária à Frutose, a qual está sujeita aos mesmos procedimentos laboratoriais e à dieta de prova: sem leite na galactosemia e com relação à frutose, nesses casos igualmente raríssimos de intolerância, evitar a frutose e o sorbitol.

Quanto aos polissacarídeos, cadeias de açúcares que agregam mais de 10 monossacarídeos, eles constituem a principal fonte de reserva de energia do organismo e são representados pelo glicogênio (células animais) e amido (células vegetais). Os distúrbios no metabolismo do glicogênio que refletem as mucopolissacaridoses e as glicogenoses em que ocorre um depósito anormal deste polissacarídeo de reserva nos ossos, fígado, rins, no músculo cardíaco e em outros músculos, são descritas nas Síndromes de Morquio, Sanfilippo, Hunter e a de Hurler.

Mucopolissacarídeos correspondem ao grupo de polissacarídeos que contêm a hexosamina (aminoderivado) primário da hexose (monossacarídeo) obtido pela hidrólise de certas glicoproteínas (mucina, heparina). Trocando por miúdo: mucoproteínas são polissacarídeos (grupo de carboidratos unidos a proteínas (mucinas, mucoides e condroproteínas).

  • Heparina é um éster polissacarídeo de ácido sulfúrico (ácido mucopolissacarídeo), encontrado em vários órgãos como nos pulmões e mais abundantemente no fígado, que impede a coagulação do sangue, porque inibe a transformação de protrombina em trombina e consequentemente a formação de fibrina, sendo, pois, empregada no tratamento de trombose e embolismo, inclusive nos pós-operatórios.

Já os oligossacarídeos, açúcares que contêm até 10 monossacarídeos associados em cadeia, eles correspondem aos prebióticos, assim denominados por estimularem o crescimento dos probióticos, bactérias que compõem a microbiota (flora intestinal colônica) e facilitarem o trânsito intestinal (proporcionam o amolecimento das fezes) e são representados pelos GOS: Galactooligossacarídeos adicionados às fórmulas lácteas especiais e pelos FOS: Frutooligossacarídeos que associados aos probióticos, constituem os simbióticos dos biológicos ativos sintéticos. Com relação à lactulose/lactulona, ela é um dissacarídeo sintético composto por uma molécula de galactose com uma de frutose e como não há uma enzima intestinal para promover a sua hidrólise, ela não é absorvida e é pouco fermentescível, tampouco guarda relação com a galactosemia ou com a intolerância à frutose. Sua propriedade se assemelha à dos FOS, que compõem os simbióticos, no sentido de estimular as evacuações e a dos procinéticos (domperidona e bromoprida) pela ação sobre o peristaltismo (reguladora do trânsito intestinal).

Peptídeos ou peptídios correspondem aos ácidos aminados ou aminoácidos. Ao todo, foram estudados 33 tipos diferentes e alguns são utilizados como elementos nutritivos e agentes terapêuticos. Quando associados em números variáveis, são referenciados como polipeptídeos, os quais formam as proteínas. Os aminoácidos podem, pois, assim como a lactulona, ser produzidos sinteticamente, inclusive obtidos através da hidrólise de proteínas (polipeptídeos) das fórmulas lácteas. Dessa forma, existem produtos lácteos especiais com proteínas extensamente hidrolisadas (com poucos aminoácidos conjugados em cadeia), providos de lactose (Aptamil Pepti/Danone, Althéra/Nestlé) e sem lactose (Pregomin Pepti/Danone, Alfaré/Nestlé, Pregestimil e Nutramigen/MeadJohnson) e fórmulas com aminoácidos não conjugados (livres) isentos de lactose: Neocate/Danone, Alfamino/Nestlé, Puramino/MeadJohnson.

Os glicerídeos (glicerídeos) ou lípides (lipídios), foco principal do artigo, correspondem às gorduras e englobam os triglicerídeos, o colesterol e os ácidos graxos. Os lipídios simples mais comuns são os triglicerídeos: designação genérica para os ésteres do glicerol. Os lipídios compostos são separados por hidrólise e incluem o colesterol e os ácidos graxos.

“NO SENSO LATO”:

  • Lipídios: grupo de substâncias caracterizadas por insolubilidade em água e solubilidade em solventes gordurosos. São ésteres de ácidos graxos com vários álcoois (simples ou compostos). São ácidos estéricos (ésteres do glicerol ou glicerina), obtidos por hidrólise de óleos e gorduras.
  • Éster: composto formado por um ácido e um sal.
  • Bile ou bílis: substância segregada pelo fígado e composta de ácidos biliares, colesterol e mucina (glicoproteína).
  • Colesterol: substância de aspecto gorduroso do grupo dos esteroides, sintetizada no fígado e pelo córtex das adrenais.
  • Os triglicerídeos ingeridos são emulsificados no estômago pelas contrações musculares gástricas. Emulsionar ou emulsificar significa misturar um óleo com outro líquido não gorduroso, ou seja: misturar uma solução que tem óleo passível de se extrair por meio de pressão. Essa emulsão passa para o duodeno, onde a lipase pancreática hidrolisa os triglicerídeos em monoglicerídeos e ácidos graxos, os quais são reesterificados a triglicerídeos.

Interessante que a má absorção consequente à deficiência pancreática, quando, então os triglicerídeos podem não ser devidamente desdobrados pela lipase, à exemplo do que ocorre em determinados casos de Fibrose Cística, apesar da severidade e prognóstico reservado dos quadros clínicos, os níveis de cálcio, magnésio e fósforo, geralmente, encontram-se preservados e a excreção de gordura fecal (esteatorreia), detectada pelo teste do Sudam III, é bem significativa.

Já nos distúrbios crônicos de má absorção, quando não há deficiência da enzima pancreática, como ocorre na agamaglobulinemia e, especialmente, na Doença Celíaca, a esteatorreia é de pequena monta e os pacientes, frequentemente, exibem sintomas de hipocalcemia associados a quadros diarreicos recorrentes com a ingestão de glúten, enquanto na Fibrose Cística sobressaem sintomas de comprometimento respiratório e não os gastrintestinais.

Na realidade, as mutações genéticas que ocorrem por deficiência enzimática envolvendo o metabolismo lipídico, glicídico (as polissacaridoses ou glicogenoses) e o das proteínas (aminoacidopatias), agrupam mais de 1.500 doenças categorizadas como Erros Inatos do Metabolismo (defeito bioquímico), a maioria de prognóstico nefasto, uma vez que o tratamento objetiva suprir a deficiência proteica ou da enzima ou de seus fatores inibitórios, nem sempre exequíveis de se levar a termo, a exemplo de transplantes nos casos de imunodeficiência de timo e a realização de um “shunt” portocava na glicogenose hepática. Entretanto, uma dieta adequada, instituída precocemente, pode evitar a ocorrência de danos irreparáveis, como a deterioração mental.

Esse feito foi possível graças aos testes seletivos para rastrear erros inatos do metabolismo, tais como fenilcetonúria, galactosemia, leucinose, hipotireoidismo congênito… Esse “screening” neonatal é de praxe em berçários e pode ser realizado nos dois primeiros meses de vida. Inclusive a detecção de defeitos congênitos, pode ser concretizada no período neonatal, através da amniocentese, com a análise bioquímica de aminoácidos e de outros elementos, tais como a hexosaminidase (Tay-Sachs), o que poderá orientar o aconselhamento genético ou mesmo determinar a interrupção até o sexto mês de gravidez, conforme legislatura em vigor de alguns países e o Brasil assim (julho de 2024) parece estar caminhando.

Como exemplo de aminoacidopatias, a mais conhecida é a fenilcetonúria, que ocorre devido à deficiência da enzima fenilalanina-hidroxilase em transformar fenilalanina em tirosina, entre outras como a da glicina (hiperglicinemia), a do triptofano (Doença de Hartnup), da purina (hiperuricemia – Síndrome de Lesh-Nyhan), da Doença do Xarope de Bordo em que a alteração do metabolismo de aminoácidos de cadeia ramificada causa aumento dos níveis plasmáticos de leucina, isoleucina e valina, conferindo à urina um odor de açúcar queimado, intensificado quando a urina é guardada na geladeira.

Com relação às lipidoses (desordens no metabolismo dos lipídios ou lípides) temos as Doenças de Gaucher e Niemann-Pick. Quanto às glicogenoses ou mucopolissacaridoses, que refletem os distúrbios no metabolismo do glicogênio, em que ocorre um depósito anormal deste polissacarídeo de reserva nos ossos, fígado, rins, no músculo cardíaco e em outros músculos, são descritas as Síndromes de Morquio, Sanfilippo, Hunter e a de Hurler.

Mucopolissacarídeos correspondem ao grupo de polissacarídeos que contêm a hexosamina (aminoderivado) primário da hexose (monossacarídeo) obtido pela hidrólise de certas glicoproteínas (mucina, heparina) — mucoproteínas são polissacarídeos (grupo de carboidratos unidos a proteínas (mucinas, mucoides e condroproteínas).

A dança das enzimas e dos anticorpos:

  • Hepática: transaminases (TGO: transglutaminase glutâmico-oxalacética/Aspartato aminotransferase e TGP: Transaminase glutâmico-pirúvica/Alanina transferase), Gama GT (glutamil-transpeptidase), desidrogenase lática, fosfatase alcalina.

As transaminases encontram-se elevadas nos processos infecciosos (hepatite, mononucleose) e geralmente normalizam dentro de 15 e 30 dias, eventualmente até 6 meses e sua permanência denota atividade da doença. Portanto, são de valia inclusive como critério de alta.

Frequentemente, os níveis de colesterol e fosfatase alcalina se encontram pouco elevados, o da albumina discretamente diminuído e o das globulinas (beta e gama) moderadamente elevados. Nesses casos, o urobilinogênio urinário bem elevado, assim como a bilirrubinúria (presença de pigmentos biliares na urina) e a bilirubinemia, são praticamente uma constante e, daí, a icterícia colestática ser considerada um denominador comum.

A fosfatase, normalmente excretada pela bile, cataboliza a hidrólise dos ésteres do ácido fólico e, frequentemente, encontra-se elevada em tumores, no hiperparatireoidismo e nas osteomielites. Fatores de coagulação sanguínea sintetizados pelo fígado: I (fibrinogênio), II (protrombina), V, VII, IX, X, XI e XII — os fatores II, VII, IX e X são responsáveis pela síntese de vitamina K. A deficiência do fator VIII (globulina anti-hemofílica) tipifica a Hemofilia A, a do fator IX (Christmas) a Hemofilia B e a deficiência do fator XI ou XII (Hageman) a Hemofilia C. A administração de crioprecipitado de fator VIII é importante na prevenção da CIVD, complicação temível (final) dos choques sépticos (septicemias) e é empregado na dose de 10-15 (<30) U/Kg cada 12 horas, por 5-10 dias. NOTA: 1U de fator VIII equivale a 1 ml de plasma fresco.

Ainda com relação às transaminases, elas têm uma funcionalidade análoga à sorologia empregada em certas infecções virais, à exemplo da Covid-19/Sars-Cov 2, da Dengue e de outras tantas, com a determinação das imunoglobulinas em coleta de sangue, realizada a partir do quinto/sétimo até o décimo dia do surgimento dos sintomas, uma vez que menos de 40% dos pacientes apresentam anticorpos detectáveis (IgG) durante os primeiros sete dias e os casos reagentes devem ser interpretados com cautela frente à possibilidade de reação cruzada com outros agentes infecciosos. Assim, com as devidas ressalvas, os anticorpos da classe IgG reagentes denotam anticorpos formados ou em formação e menores riscos de complicações. Já os anticorpos IgM reagentes são indicativos de uma infecção viral ativa, portanto, existem riscos de complicações e de contágio em se tratando da Covid-19. Os resultados reagentes podem ser consequentes à infecção anterior e não atual ou a reações cruzadas com outros vírus e os riscos de contágio, obviamente, referem-se às doenças infectocontagiosas, que não é o caso da Dengue.

A possibilidade de reagente é simultânea à positividade do RT-PCR (Reação de Cadeia Polimerase em Tempo Real) em material colhido de secreção traqueal ou de raspado de orofaringe nos pacientes com Covid-19/Sars-Cov 2 ou de antígeno NS1 em coleta de sangue nos casos de Dengue. A possibilidade de resultar positivo é maior após 3 até os primeiros 5/7 dias de instalado o quadro clínico, particularmente do surgimento de sintomas respiratórios nos casos de Sars-Cov 2 e a positividade assim permanece durante 7 a 10 dias, eventualmente por 12 até 15 dias que é o limite máximo das evoluções das doenças virais, salvo quando surgir alguma complicação. Após esse período, as expectativas são de um IgM não reagente (doença debelada) e o IgG reagente (anticorpos formados) e cuja tendência é assim permanecer, uma vez que se trata de imunidade ativa. A doença confere imunidade permanente, exceto em se tratando de vírus mutante.

Seguem as interpretações com as variáveis:

  • Anticorpos IgM e IgG reagentes: infecção em atividade com riscos de contágio e anticorpos em formação, portanto, com menores riscos de complicações.
  • IgM reagente e IgG não reagente: vírus (infecção) em atividade com riscos de contágio e anticorpos não formados – pacientes com a doença e sem imunidade, portanto, pacientes com riscos de complicações.
  • IgM não reagente e IgG reagente: infecção debelada e anticorpos formados – paciente imune.
  • Anticorpos IgM e IgG não reagentes (com PCR-RT ou NS1 positivos): paciente com infecção viral debelada, porém, sem anticorpos formados. Repetir a sorologia após 20/30 dias, para constatar a viragem/soroconversão (elevação da IgG).
  • Uma reação positiva isolada para IgG pode indicar infecção pregressa (cicatriz sorológica) ou vacinação prévia (Covid ou Dengue/Febre Amarela).

Um lembrete adicional: imunidade ativa é devida à produção de anticorpos, pelo estímulo de um antígeno do próprio indivíduo (pela doença) e a imunidade passiva é conferida pela introdução de um soro imune (vacinação).

  • Pancreática: lipase, amilase e tripsina. A aquilia pancreática prolongada aumenta a absorção intestinal de ferro, podendo causar hemossiderose hepática.

LIPASE: o pâncreas além da lipase produz bicarbonato de sódio para neutralizar o ácido clorídrico e restabelecer o pH próximo da neutralidade ideal, a fim de proporcionar uma atividade da enzima adequada. A eficácia da lipólise é diminuída pelos sais biliares que ajudam a dispersão dos triglicerídeos que não são devidamente absorvidos no intestino delgado superior. AMILASE: o aumento da amilasemia ocorre em 70% dos casos de caxumba (parotidite epidêmica) e não significa necessariamente pancreatite. Nem toda parotidite é caxumba (causada pelo Paramyxovírus parotiditis). Existem parotidites causadas por outros vírus (o mais frequente é o parainfluenza 3, a seguir: o coxsackie) e a parotidite aguda purulenta que é causada pelos Staphylococcus aureus. Tem-se procurado associar o surgimento de diabete juvenil como consequência da pancreatite pós caxumba, entretanto, pondera-se em não se tratar de fortes coincidências em crianças possivelmente já predispostas frente ao histórico familiar. TRIPSINA: a deficiência de tripsinogênio e de enteroquinases acarreta uma falha na atividade da tripsina, de quimiotripsina e carboxipeptidase e consequentemente uma inadequação em hidrolisar as proteínas, o que impõe um tratamento dietético com hidrolisados proteicos.

Esteatorreia—Esteatose

Esteatose é o acúmulo de gordura em um tecido ou órgão, geralmente no fígado (esteatose hepática). Esteatorreia corresponde à presença excessiva de gordura nas fezes. Caracteristicamente, são fezes volumosas, esbranquiçadas (claras acinzentadas), de aparência oleosa (com brilho), fétidas, flutuam na água do vaso sanitário e são de difícil eliminação ao acionar a descarga.

Em muitos casos, uma vez que frequentemente se associa uma deficiência na síntese de lactase, as fezes são explosivas, eliminadas como um verdadeiro jorro de água e grumos, com desaparecimento da distensão abdominal, denotando uma má absorção e daí serem classificadas como diarreia fermentativa por intolerância à lactose, a qual, em geral, cessa (permanece quiescente) durante o jejum.

Causas da má absorção:

A causa mais comum do aumento dos níveis séricos de gordura (lipídios), subentenda-se de triglicerídeos e colesterol, assim como a de esteatose e de esteatorreia, geralmente, não se assenta numa doença de base, num problema propriamente de má absorção, mas, sim, na adoção de hábitos nada salutares, baseados numa dieta com excesso de gorduras, frituras e de hidratos de carbono (açúcares e farinhas), associados a uma vida sedentária. Daí essas alterações serem mais comuns em adultos entre 40 e 50 anos, particularmente obesos com hiperlipidemia e o aumento de triglicerídeos e do colesterol não implica necessariamente que vão desenvolver esteatose e/ou esteatorreia e vice-versa.

Isso também é válido com relação às crianças de idade mais avançada, haja vista que elas herdam a genética e os hábitos familiares (epigenética) que desde cedo lhes são transmitidos (que lhes servem de padrão). Nesses casos, a esteatose hepática costuma ser assintomática ou cursar com sintomas direcionados mais para um comprometimento gastrintestinal, como flatulência excessiva, distensão e dores abdominais ou com sintomas de ordem geral, inespecíficos, tais como: fraqueza, cansaço, mal-estar, perda inexplicável do apetite e do peso ou, então, o de não ganhar peso, apesar de comer razoavelmente bem, salvo pelo bizarro prurido cutâneo que até pode conduzir à suspeita diagnóstica.

Dessa forma, a esteatose hepática, frequentemente, constitui um achado ultrassonográfico e que, embora possa ocorrer em qualquer idade, é mais frequente, conforme já enfatizado, entre 40 e 50 anos e é uma doença, se é que pode ser considerada como tal, reversível, desde que não descuidada com a adoção de hábitos salutares baseados numa dieta equilibrada, sem excessos de gorduras, frituras e de hidratos de carbono (açúcares e farinhas), aliados a exercícios físicos. Hábitos que não devem ser negligenciados, pois, a médio/longo prazo de tempo (20-30 anos), pode evoluir para um quadro de hepatite gordurosa, cirrose hepática ou de câncer no fígado.

Contudo, particularmente nos lactentes jovens, o aumento dos níveis séricos de colesterol e de triglicerídeos pode ocorrer como consequência de problemas entéricos de má absorção, inclusive por deficiência de ácidos biliares no lúmen intestinal ou ser devido à insuficiência pancreática em sintetizar a enzima lipase, o que não implica obrigatoriamente no acúmulo de gorduras no fígado e/ou nas fezes.

Em suma: nos adultos, na maioria dos casos, o problema se resume à epigenética ao contrário de quando se manifesta nas crianças particularmente nos primeiros meses de vida. Nesses casos, a má absorção pode surgir em função da insuficiência pancreática e se fazer presente logo ao nascimento, sendo sinalizada com o íleo paralítico (meconial), preditor da FC ou se manifestar com a introdução do glúten na dieta nos casos de DC, que constituem as duas principais causas de má absorção crônica na infância e obviamente nos adultos, uma vez que essas doenças manifestam-se na infância e persistem indefinidamente e exigem uma abordagem diagnóstica e terapêutica multifatorial. No que concerne à evolução: a FC se reveste de um prognóstico sombrio e a DC reservado quando o diagnóstico é firmado num estágio mais avançado e impõem-se a adoção de uma dieta equilibrada, na DC isenta de glúten e na FC associada à suplementos enzimáticos.

As doenças relacionadas com a má absorção:

A) Doenças do pâncreas: Fibrose Cística e pancreatite crônica Fibrose Cística (FC) = Doença Fibrocística do Pâncreas = Fibrose Pancreática = Mucoviscidose, é a causa da insuficiência pancreática exógena mais comum de má absorção crônica na infância e daí a consideração de ser uma exocrinopatia. A maior parte de gorduras (lipídios) da dieta consiste de triglicerídeos, os quais, para serem absorvidos, sofrem hidrólise pela lipase pancreática (lipólise), sendo desdobrados em monoglicerídeos. No entanto, vale ressaltar que alguns triglicerídeos podem ser discretamente absorvidos sem a atividade líptica, assim como os monoglicerídeos também podem ser absorvidos sem a presença de sais biliares.

B) Doenças do intestino delgado: a Doença Celíaca (enteropatia glúten-induzida ou sprue não tropical) e as íleites, entre as quais, a Doença de Crohn que na realidade pode comprometer todo trato gastrintestinal, do esôfago ao reto, são as responsáveis pela má absorção crônica. A Doença Celíaca (DC), bem menos rara que a FC, é a principal enteropatia perdedora de proteínas, que acarreta uma má absorção crônica, quando não diagnosticada numa fase incipiente, logo após a introdução da gliadina do glúten na dieta da criança.

  • Já as enterocolites causadas pelas enterobactérias clássicas (Escherichia coli, Salmonellas e Shiguelas) e pelos parasitas, entre os quais, principalmente a Giardia lamblia, estão mais associadas com a má absorção aguda ou aguda prolongada. Nesses casos, além das fezes esteatorreicas, a enterite frequentemente prejudica a produção de lactase pelos enterócitos e causa uma má absorção da lactose (intolerância) e daí a diarreia fermentativa com fezes explosivas e duração, dependendo da gravidade da infecção, de dias até meses. Podendo nas evoluções mais arrastadas e graves, que acometem lactentes no primeiro semestre de vida com desnutrição grave, o comprometimento atingir a síntese sucessiva de todas as dissacaridases (lactase, posteriormente a da maltase e depois a da sacarase) e acarretar uma má absorção de todos os dissacarídeos, uma intolerância à lactose, maltose e a sacarose, inclusive a de monossacarídeos como a da glicose e até a da frutose, quando deverá ser instituída a nutrição parenteral até a cessação do quadro diarreico.
  • O sprue tropical se assenta na tríade: má absorção, anemia megaloblástica e a boa resposta ao emprego de ácido fólico.
  • Já a betalipoproteinemia, embora extremamente rara, pode se manifestar no primeiro ano através de um crescimento deficiente, distensão abdominal e esteatorreia. A criança inicialmente chama a atenção por ser desajeitada, evoluindo para ataxia progressiva, perda de força muscular e nistagmo com retinite pigmentosa. As hemácias adquirem o formato ameboide com ponta especulada (semelhante a espinho), caracterizando a chamada acantose: enzimopatia provocada por ausência de lipoproteína beta, detectada pela eletroforese de lipoproteína e paradoxalmente níveis séricos de colesterol e triglicerídeos muito diminuídos.

Um tributo especial à APLV:

Com relação à alergia às proteínas do leite de vaca (APLV) ela causa uma enterite “não infecciosa”, responsável, como tal, pela hematoquezia (presença de sangue nas fezes, muitas vezes oculto, perceptível somente ao exame microscópico) e por todas as implicações clínicas e laboratoriais já descritas com relação à lactose. Diria até que a APLV é a causa mais comum da má absorção de glicídios e consequentemente pela intolerância secundária à lactose que agrava os sintomas gastrintestinais exibidos tais como: diarreia, cólica, distensão abdominal e/ou o excesso de flatos, que se fazem acompanhar com intensidade variável de acordo com a sensibilidade de cada qual (epigenética), mas que frequentemente torna os pequenos lactentes extremamente inquietos e motiva as consultas ao pediatra.

Especula-se que cerca de 8% das crianças e aproximadamente 2,5% dos adultos apresentarão alergia alimentar em uma determinada fase de sua vida e 7,5% dos casos são atribuídos ao leite de vaca, com 3% manifestando-se nos primeiros 2 anos de vida (lactentes). Tem-se a impressão, baseando-se nos atendimentos em centros médicos especializados e nas alergias não devidamente documentadas, inclusive frente às reações não mediadas por IgE (resultados não detectáveis) e mesmo que se pese os diagnósticos atribuídos enganosamente à alergia e vice-versa, que essa casuística esteja subestimada. Já com relação às alergias que se manifestaram em adultos, certamente esses adultos foram crianças alérgicas, que até cursaram desapercebidas com sintomas leves, sem levantar qualquer suspeita clínica do problema.

Obviamente as manifestações mais graves das alergias alimentares não oferecem dúvidas diagnósticas, haja vista que elas podem surgir de imediato ao menor contato ou até duas horas do seu consumo, inclusive durante a amamentação materna exclusiva, uma vez que o processo alérgico independe da quantidade consumida e os produtos lácteos provenientes da dieta materna são absorvidos e eliminados através de seu leite em quantidades ínfimas, mas suficientes para sensibilizar os bebês mais suscetíveis.

No entanto, a APLV pode se fazer evidenciar com sintomas gastrintestinais leves e/ou através de manifestação cutânea, simulando processos adaptativos e, às vezes, com sintomas respiratórios “ipsis litteris” aos das bronquiolites que integram os quadros clínicos do bebê chiador (lactente sibilante), de maneira que nem sempre a suspeita diagnóstica é aventada e o diagnóstico é firmado precocemente, nos primeiros meses de vida.

Vale ressaltar que os exames destinados a rastrear a APLV (Immunocap/Rast ou Prick test) confirmam o diagnóstico em cerca de 60% dos casos – considerados IgE mediados, portanto, há de se computar 40% de resultados não detectáveis, considerados como falso-negativos (IgE não mediados) e, nesses casos, a hematoquezia isolada, com ressalvas quando relacionada com a vacina contra o rotavírus, chancela o diagnóstico. Nos casos manifestos, as evidências clínicas demonstram que aproximadamente 50% das crianças passam a tolerar os produtos lácteos a partir dos 2 anos, 70% dos 2 aos 3 anos, 90% entre os 3 e 5 anos e os 10% restantes após os 5 e até os 10 anos.

Contudo, mesmo após os 10 anos, dependendo do limiar de sensibilidade de cada qual, sempre haverá algum desconforto ao consumirem laticínios, quer seja através de flatos, por meio de um discreto prurido cutâneo ou com um leve acesso de tosse, porém, nada muito chamativo e daí a impressão enganosa da APLV, para alguns, ter cura. A alergia não tem cura, mas controle. Dependendo da epigenética, com o evolver da idade, os sintomas tendem a se espaçar de forma atenuante, exceto a aversão ao seu consumo que não tem merecido a devida atenção, como sendo um forte preditor da APLV. Entretanto, existem pacientes, inclusive muitos adultos, que ao consumirem qualquer produto lácteo, mesmo em quantidades ínfimas, apresentam cólica intensa e diarreia, até mesmo de imediato à sua ingesta.

Laboratorialmente: Rast para alergia às proteínas do leite de vaca não detectável e ausência de sangue oculto nas fezes, com teste de tolerância à lactose positivo e melhora ainda que relativa com o emprego de lactase sintética (exógena). Em suma: a intolerância à lactose, na grande maioria dos casos, inclusive nos adultos, é secundária à enterocolite causada pela APLV, independentemente de as reações serem ou não mediadas por IgE, inclusive, fugindo às regras, terem permanecido quiescentes, entre aspas, durante a infância e a intensidade dos sintomas, ao aflorarem, vão depender do limiar de sensibilidade de cada paciente, que podem se beneficiar, entre aspas, com o consumo de leite sem lactose e com o emprego de lactase sintética em ocasiões especiais. E a intensidade assim como a duração dos sintomas ao aflorarem, vão depender do limiar de sensibilidade de cada paciente e o emprego de leite sem lactose e da lactase sintética podem amenizar os sintomas gastrintestinais.

Em recepções (festas, restaurantes), não há como apurar se os comestíveis foram elaborados com leite sem lactose, por isso, muitos pacientes, para atenuar os sintomas gastrintestinais causados com a ingesta de laticínios, principalmente a cólica e a diarreia, recorrem a produtos farmacêuticos contendo lactase exógena, tipo Lacday, LacLev ou similares. O efeito se instala praticamente de imediato, porém, é de curta duração. Agem após 3 a 5 minutos, mas duram de 30 até 45 minutos.

Contudo, partindo da premissa de a enterocolite causada pela APLV ser agravada pela intolerância à lactose, ser uma constante, haja vista que dificilmente deixará de haver escapes com o consumo de produtos lácteos ou de seus derivados, o sangue oculto nas fezes pode se fazer presente e quando em pacientes com idade avançada, embora na maioria dos eventos, felizmente, seja atribuído à colite da APLV, impõem-se uma abordagem diagnóstica no sentido de excluir outras causas.

Vale ser repetitivo, para memorizar, que a enterocolite, “independente da causa”, faz com que o intestino delgado não produza de forma consistente a lactase (enzima endógena que desdobra a lactose em uma molécula de glicose e outra de galactose, para então ocorrer a absorção), havendo, pois, uma intolerância à lactose secundária à enterocolite, a qual pode ser transitória ou permanente em se tratando da APLV e que agrava os sintomas gastrintestinais, inclusive pode precipitar o surgimento da hematoquezia e desestabilizar a microbiota (flora bacteriana intestinal presente no cólon) ainda em formação nos primeiros seis meses de vida.

Na infância, a APLV constitui a causa mais frequente de má absorção de açúcares, particularmente da lactose. A DC está relacionada com a má absorção da gliadina contida no glúten do trigo, cevada, centeio e aveia (menos) e a FC: exócrinopatia pancreática associada à síntese deficiente de lipase, indubitavelmente, é a causa mais importante de má absorção crônica de gorduras e cujo prognóstico é sombrio, mesmo que devidamente tratada, ao contrário da DC.

Seguem outras causas questionáveis e raras de esteatose e esteatorreia, baseadas em evidências clínicas norte-americanas:

  • Questionáveis: ocasionalmente após tratamento com corticosteroide sistêmico, pneumonia, osteomielite, tuberculose crônica, desnutrição e estados anêmicos graves.
  • Raras: hipotireoidismo, diabetes mellitus, Síndrome de Zollinger-Ellison e pós-gastrectomia, Síndrome Carcinoide, Síndrome de má absorção de vitamina B12 e de ácido fólico e doenças do trato biliar. A associação existente entre a doença hepática colestática, em especial a cirrose biliar primária, e a osteoporose está comprovada, assim como a deficiência de vitamina K, demonstrada por um tempo de protrombina prolongado.

Com uma pitadinha a mais de detalhes:

Fibrose Cística ou Mucoviscidose

Doença genética autossômica recessiva, ou seja, que é comum aos dois sexos e poupa gerações. A incidência em consanguíneos próximos é de um em quatro e é considerada a doença letal de maior importância entre caucasianos jovens, sendo menos comum em pretos e rara nas populações orientais. Na realidade trata-se de uma exocrinopatia, não restrita ao pâncreas, mas extensiva às parótidas, glândulas salivares, sudoríparas e afins. As secreções espessas, epicentro da disfunção, podem se acumular em todas as glândulas produtoras dilatando-as e obstruindo ductos biliares, pancreáticos e a árvore brônquica.

A vesícula biliar contém um material gelatinoso consistente que obstrui o ducto cístico, causando uma retenção crônica da bílis e consequentemente o endurecimento e atrofia do órgão (a vesícula fica pequena), o que configura a chamada hepatocirrose ou a cirrose biliar obstrutiva. O pâncreas, com o avançar da doença, assim como a vesícula, torna-se progressivamente mais fino e firme (fibroso) que o normal, quando, então, pode também ter sua função endócrina comprometida com a diminuição das ilhotas de Langerhans e na produção de insulina, causando consequentemente uma hipoglicemia (diabetes).

Já a obstrução bronquiolar costuma ser a lesão inicial e o acometimento posteriormente se estende a toda a árvore brônquica. A doença brônquica obstrutiva e a hipertensão pulmonar podem levar a alterações cardíacas adaptativas, entre as quais, a hiperplasia ventricular direita é a mais frequente. A suspeita de FC, nos lactentes sem histórico de íleo meconial, geralmente é aventada devido aos quadros de pneumonias recorrentes ou mesmo de hiper-reatividade brônquica (bronquiolites de repetição, bronquites e de asma) que evoluem com refratariedade ou pouca responsividade aos tratamentos convencionais. Esporadicamente os sintomas pulmonares são discretos e os sintomas gastrointestinais de má absorção são nitidamente evidenciados.

A literatura assinala que cerca de 10% das crianças com FC, não têm insuficiência pancreática ou outro distúrbio digestivo e o crescimento é normal, portanto, não deve causar estranheza alguns pacientes atingirem uma idade avançada e mesmo adulta, apenas com sintomas essencialmente de comprometimento pulmonar, sem evidências clínicas e laboratoriais de insuficiência pancreática. Dessa forma, a suspeita clínica, no período neonatal, deve ser aventada nos casos de íleo meconial ou de hiperbilirrubinemia da fração direta – icterícia colestática prolongada.

Sempre que houver antecedentes familiares próximos com Fibrose Cística e um desenvolvimento deficiente e principalmente quando:

  • Há relato de que comem exageradamente e não ganham peso, sobretudo ao se constatar esteatorreia ou diarreia com fezes sanguinolentas.
  • Evidências clínicas ou radiológicas de distúrbio ventilatório obstrutivo crônico, não propriamente em se tratando da Síndrome do Lactente Sibilante ou de Asma, mas de pneumonias que evoluem com pouca responsividade, beirando à refratariedade aos tratamentos convencionais e quando recorrem com intervalos frequentes e próximos.
  • Histórico de choque devido ao calor ou de suor com sabor salgado.
  • Pólipo nasal.
  • Hipoproteinemia idiopática especialmente quando ocasionam anasarca.
  • Prolapso retal, obstrução intestinal (impactação fecal) e episódios de intussuscepção intestinal.
  • Calcificação no pâncreas ou pancreatites recorrentes, lembrando que a amilasemia aumentada não significa necessariamente pancreatite.
  • Colelitíase, colecistite, cirrose e hipertensão portal. Os pacientes com FC podem ser alimentados com fórmulas contendo gorduras de cadeia média ou longa, desde que com suplementação enzimática pancreática para adequar a hidrólise das gorduras, proteínas e das vitaminas lipossolúveis A, D, E e K. Existem fórmulas de pancreatina ricas em lipase, extratos contendo amilase, lipase e tripsina e outros com ou amilase e tripsina! Devem ser administradas com antiácidos.

Doença Celíaca ou Enteropatia Glúten-Induzida ou Sprue Não Tropical

É causada por uma intolerância permanente, com ressalvas, ao glúten que é uma das frações proteicas da aveia (menos), centeio, cevada e principalmente do trigo. O glúten tem duas frações proteicas: a glutenina e a gliadina que é a responsável pelas lesões entéricas: atrofia vilositária (intestino careca) e hiperplasia de criptas.

A RESSALVA: Numerosos autores sugerem que a DC, quando é diagnosticada antes dos 18 meses, a intolerância ao glúten pode ser transitória. Recomendam, após 2 anos de introduzida a dieta isenta de glúten e não havendo escapes e a criança estando assintomática, realizar a endoscopia. Se normal, libera-se o glúten por 2 meses e proceder nova endoscopia com biópsia de mucosa de bulbo duodenal. Caso permaneça normal, libera-se a dieta por mais 2 anos e, desde que a criança permaneça assintomática, deve-se realizar outra biópsia e não havendo as alterações anatomopatológicas da DC, a criança é dada como curada. No entanto, a DC pode cursar oligo ou mesmo assintomática e o diagnóstico pode ser selado numa fase tardia (mais avançada), após o surgimento de alguma complicação como linfoma intestinal.

Painel de Exames

Embora o coprológico funcional englobe a realização do exame parasitológico e a pesquisa de gorduras, ácidos graxos e de sangue oculto nas fezes, os testes para avaliar a má absorção, em termos de triagem, incluem o Sudam III (para comprovar a esteatorreia) e o da D-xilose que é de boa acurácia para avaliar a má absorção.

Fazem parte do painel, com atenção especial à doença causadora da má absorção:

  • O hemograma e as dosagens de ferro sérico, ferritina, vitamina D (vitaminas lipossolúveis: A, D, E e K), B12, ácido fólico, cálcio, fósforo e magnésio. Nas enteropatias perdedoras de proteínas, em decorrência da ileíte, pode ocorrer uma deficiência de vitamina B12 e de ácido fólico.
  • Triglicerídeos, colesterol e frações.
  • Lipase, amilase, tripsina (alfa-1 antitripsina fecal e sérica) // Iontoforese (dosagem de cloretos e sódio no suor pelo método da pilocarpina ou do saco). O teste é positivo desde o nascimento e não há relação entre a concentração de eletrólitos no suor e a gravidade da doença (FC).
  • Transaminases, Gama GT, desidrogenase lática, fosfatase alcalina.
  • Proteínas totais e frações.
  • Anticorpos antigliadina, antiendomísio e antitransglutaminase (marcadores da DC/enteropatia perdedoras de proteínas). Os anticorpos da classe IgA anti-endomísio e IgA anti-transglutaminase encontram-se elevados. A dosagem de anticorpos antigliadina, devido à sua baixa especificidade e sensibilidade, em comparação com os demais, não tem sido mais demonstrada. Vale ressaltar que cerca de 10% dos celíacos têm imunodeficiência de IgA. Nesses casos, as taxas de anticorpos podem estar normais, caracterizando os resultados falso-negativos. São considerados positivos para triagem título sérico igual ou superior a 3 para IgG ou superior a 1 para IgA e para diagnóstico título sérico igual ou superior a 5 para IgG e superior a 3 para IgA. A partir da confirmação diagnóstica de DC, a quantificação destes níveis de anticorpos é útil no seguimento terapêutico. Com a retirada do glúten da dieta, espera-se uma queda dos anticorpos.

O teste genético (genotipagem) para Doença Celíaca, embora os marcadores (alelos) estejam presentes em cerca de 98% dos celíacos, é de maior interesse para excluir o diagnóstico, uma vez que também estão presentes em cerca de 30% da população normal, na dependência da ascendência caucasiana, de negros e mulatos. O teste para grupos de risco: diabetes, tireoidite autoimune, deficiência de IgA, Down, Turner, Williams, parentes de primeiro grau, deve ser realizado de preferência entre os 3 e 4 anos de idade e com o glúten na dieta por pelo menos um ano.

  • Dosagem de imunoglobulinas e IgE total.
  • Immunocap (antigo Rast) para o leite de vaca e frações (alfa-lactoalbumina, beta-lactoglobulina e caseína) e soja. Pesquisa de sangue oculto nas fezes (3 amostras de dias diferentes) e o teste de tolerância à lactose.
  • A endoscopia digestiva alta, apesar dos pesares, é de grande subsídio no diagnóstico da DC e no da APLV, particularmente frente aos resultados não detectáveis do immunocap (Rast), inclusive em estabelecer o diagnóstico diferencial. São achados microscópicos em comum a hiperplasia de criptas e a atrofia vilositária que é mais pronunciada na DC e daí a referência de intestino careca. A presença de mais de 20 eosinófilos intraepiteliais por campo de grande aumento, em biópsia de mucosa de esôfago, fornece o diagnóstico de esofagite eosinofílica (alérgica), consequente à APLV, enquanto que, na biópsia de mucosa de bulbo duodenal, a presença isolada de mais de 30 linfócitos intraepiteliais para cada 100 enterócitos, chancela o diagnóstico de DC numa fase incipiente.

Provas para caracterizar o estado nutritivo: hemograma, ferro sérico, proteínas totais e frações, ionograma (Na, K, Ca, Mg), fosfatase alcalina, glicemia. Nos casos severos, geralmente, ocorre anemia, ferro sérico baixo, hipoproteinemia, hipocalemia, hipocalcemia, eventualmente hipomagnesemia e tempo de protrombina elevada (solicitar antes da biópsia intestinal).

Fibrose Cística ou Mucoviscidose

Doença genética autossômica recessiva, ou seja, que é comum aos dois sexos e poupa gerações. A incidência em consanguíneos próximos é de um em quatro e é considerada a doença letal de maior importância entre caucasianos jovens, sendo menos comum em pretos e rara nas populações orientais. Na realidade trata-se de uma exocrinopatia, não restrita ao pâncreas, mas extensiva às parótidas, glândulas salivares, sudoríparas e afins. As secreções espessas podem se acumular em todas as glândulas produtoras dilatando-as e obstruindo ductos biliares e pancreáticos.

A vesícula biliar contém um material gelatinoso consistente que obstrui o ducto cístico, causando uma retenção crônica da bílis e consequentemente o endurecimento e atrofia do órgão (a vesícula fica pequena), o que configura a chamada hepatocirrose ou a cirrose biliar obstrutiva. O pâncreas, com o avançar da doença, assim como a vesícula, torna-se progressivamente mais fino e firme (fibroso) que o normal, quando, então, pode também ter sua função endócrina comprometida com a diminuição das ilhotas de Langerhans e na produção de insulina, causando consequentemente uma hipoglicemia (diabetes).

Já a obstrução bronquiolar costuma ser a lesão inicial e o acometimento posteriormente se estende a toda a árvore brônquica. A doença brônquica obstrutiva e a hipertensão pulmonar podem levar a alterações cardíacas adaptativas, entre as quais, a hiperplasia ventricular direita é a mais frequente. Os lactentes com FC e má absorção que não tenham apresentado íleo meconial, geralmente, são diagnosticados por suas infecções pulmonares recorrentes. Ocasionalmente os sintomas pulmonares são discretos e os sintomas gastrointestinais são nitidamente evidenciados.

A literatura assinala que cerca de 10% das crianças com FC, não têm insuficiência pancreática ou outro distúrbio digestivo e o crescimento é normal, portanto, não deve causar estranheza alguns pacientes atingirem uma idade avançada e mesmo adulta, apenas com sintomas essencialmente de comprometimento pulmonar, sem evidências clínicas e laboratoriais de insuficiência pancreática. Dessa forma, a suspeita clínica, no período neonatal, deve ser aventada nos casos de íleo meconial ou de hiperbilirrubinemia da fração direta – icterícia colestática prolongada.

Sempre que houver antecedentes familiares próximos com Fibrose Cística e um desenvolvimento deficiente e principalmente quando:

  • Há relato de que comem exageradamente e não ganham peso, sobretudo ao se constatar esteatorreia ou diarreia com fezes sanguinolentas.
  • Evidências clínicas ou radiológicas de distúrbio ventilatório obstrutivo crônico, não propriamente em se tratando da Síndrome do Lactente Sibilante ou de Asma, mas de pneumonias que evoluem com pouca responsividade, beirando à refratariedade aos tratamentos convencionais e quando recorrem com intervalos frequentes e próximos.
  • Histórico de choque devido ao calor ou de suor com sabor salgado.
  • Pólipo nasal.
  • Hipoproteinemia idiopática especialmente quando ocasionam anasarca.
  • Prolapso retal, obstrução intestinal (impactação fecal) e episódios de intussuscepção intestinal.
  • Calcificação no pâncreas ou pancreatites recorrentes, lembrando que a amilasemia aumentada não significa necessariamente pancreatite.
  • Colelitíase, colecistite, cirrose e hipertensão portal. Os pacientes com FC podem ser alimentados com fórmulas contendo gorduras de cadeia média ou longa, desde que com suplementação enzimática pancreática para adequar a hidrólise das gorduras, proteínas e das vitaminas lipossolúveis A, D, E e K. Existem fórmulas de pancreatina ricas em lipase, extratos contendo amilase, lipase e tripsina e outros com ou amilase e tripsina! Devem ser administradas com antiácidos.

Doença Celíaca ou Enteropatia Glúten-Induzida ou Sprue Não Tropical

É causada por uma intolerância permanente, com ressalvas, ao glúten que é uma das frações proteicas da aveia (menos), centeio, cevada e principalmente do trigo. O glúten tem duas frações proteicas: a glutenina e a gliadina que é a responsável pelas lesões entéricas: atrofia vilositária (intestino careca) e hiperplasia de criptas.

A RESSALVA: Numerosos autores sugerem que a DC, quando é diagnosticada antes dos 18 meses, a intolerância ao glúten pode ser transitória. Recomendam, após 2 anos de introduzida a dieta isenta de glúten e não havendo escapes e a criança estando assintomática, realizar a endoscopia. Se normal, libera-se o glúten por 2 meses e proceder nova endoscopia com biópsia de mucosa de bulbo duodenal. Caso permaneça normal, libera-se a dieta por mais 2 anos e, desde que a criança permaneça assintomática, deve-se realizar outra biópsia e não havendo as alterações anatomopatológicas da DC, a criança é dada como curada.

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